A Mão do Diabo: o livro que ensina a não confiar em políticos


Comecei a ler A Mão do Diabo sem conhecer a escrita de José Rodrigues dos Santos e a razão por eu ter tomado a decisão de me embrenhar neste autor através deste livro foi por saber que o argumento do livro estava relacionado com a crise económica. Apesar de já saber algumas coisas sobre o assunto de antemão, o saber não ocupa lugar e serve para podermos formar o
piniões conscientes e consistentes e eu própria tinha algumas especulações e dúvidas que queria ver resolvidas. Este é o 10º livro do autor, publicado em outubro de 2012.

Spoiler alert - Nesta crítica não vou falar muito ao pormenor de acontecimentos importantes e vou descrever as personagens de modo a não ser uma spoiler.

Plot
A história deste livro faz lembrar muito os livros de Dan Brown. Com um início digno de um filme de ação do tipo 007, o historiador Tomás de Noronha parece um James Bond que, ao contrário deste, não foi treinado (nem tem licença) para matar. Felizmente, a sua capacidade de desenrasque à Indiana Jones e o seu instinto de sobrevivência acabam por safá-lo das mais variadas e caricatas situações. O argumento está cheio de movimento, ações e plot twists que nos prendem à história. E o mais interessante deste livro e que mais dá que falar é as explicações sobre como surgiu a atual crise e o papel dos economistas e dos políticos num dos maiores crimes criados contra a humanidade. Confesso que fiquei muito elucidada com as explicações que surgem ao longo do livro e noto que o autor efetuou muita pesquisa e, felizmente, conseguiu traduzir a linguagem económica e mais teórica para uma linguagem acessível a todos. Aconselho vivamente este livro por esse facto e para quem tem uma imagem de que só os políticos portugueses é que fazem isto e aquilo e que os políticos da direita não querem o mesmo que os da esquerda, este livro mostra que todos eles são farinha do mesmo saco e não há um que se safe.
O melhor e pior desta história: para além da história estar repleta de ação, outro aspeto positivo prende-se com a forma como foi escrita a morte de uma personagem muito próxima de Tomás, que até faz lembrar uma cena de um filme. Outro ponto positivo é a parte sobre o conteúdo do DVD e a forma como os políticos são retratados com profundo realismo. Adorei. Ponto negativo: telefonema entre Maria Flor e Tomás de Noronha quando ele é procurado pela polícia. Ele só lhe diz "não matei ninguém e ela acredita piamente nele sem precisar de provas ou argumentos". Soa tão falso.

Personagens
Tomás de Noronha - Personagem principal, da história, um historiador que se vê perante uma grande panóplia de situações difíceis e que o colocam em risco, mas a sua incrível capacidade de improviso e a sua perspicácia acabam por levá-lo a enfrentar os problemas com soluções inovadoras e que resultam. No entanto, apesar do apeto de homem forte, ele mostra também o seu lado mais sensível e ligado às emoções. A preocupação com a mãe sensibiliza o leitor e ajuda a criar empatia com ele. E o facto de ele ser uma pessoa que não foi treinada para espião ou para se livrar de certas situações que vamos vendo faz com que nos identifiquemos com ele e que desejemos ser assim também. Portanto, é uma personagem que está bem construída.
Markopoulo - Demasiado fanático para um académico, surge na história como um ignorante, tendo que questionar o que Tomás está a fazer e descobre (plot convenience para nos dar desculpa no diálogo para ficarmos a saber das coisas, mas não me convence). 
Horácio - A meu ver, a figura típica de Horácio saloio ficou mal posicionada em Santo Tirso. Não sei se o escritor conhece pessoas de Santo Tirso, se sabe ou não como se fala por lá, mas seria mais correto colocar uma personagem tipicamente saloia no modo de falar, de vestir e nos nomes dos amigos num lugar mais isolado (numa freguesia, pelo menos). Suou-me a uma personagem demasiado preconceituosa e retrógrada; não é que não hajam muitos Horácios pelo país, mas não devem existir assim tantos numa cidade, muito menos com amigos com nomes tão típicos que já não se ouve em qualquer lugar.
Filipe - Faz-me lembrar uma típica personagem de suporte à personagem principal e à história. Aparece para dar um plot twist central e introduzir personagens. Traz ao de cima a faceta mais carinhosa de Tomás, já que é o seu melhor amigo. Essa faceta vai surgir mais tarde no fim do livro com outra personagem.
Magus - A início não descriminadas as informações sobre quem é e as suas motivações e até me estava a chatear essa ausência, porque me parecia que o vilão estava fraco, sem história e sem background de suporte. Só mais para o fim é que se percebe quem é e acaba por se tornar uma personagem mais humana e vulnerável, eliminando a máscara do todo-poderoso Magus, temido pelos subordinados, com fome e sede de poder.
Decarabia - Aparece inicialmente como o melhor subordinado, o agente perfeito, mas desde logo começa a revelar a presunção que o leva a pensar que consegue fazer tudo corretamente. Só que subestima o Tomás e acaba por arranjar problemas para si.
Raquel de la Concha - Apesar de inspectora da Interpol (para lá chegar deve ter levado um caminho longo), parece-me uma personagem muito irracional, que se deixa levar facilmente pelo que sente, embora tenha jeito enquanto polícia para fazer o seu trabalho. Tirando as partes em que é o Tomás que faz tudo por ela, que planeia, que pensa com racionalidade. Uma personagem demasiada cabeça vazia para o cargo que ocupa. E com a mania que é sensual, e que só isso é que importa.
Maria Flor - Demasiado inocente, demasiado angelical, o completo oposto de Raquel. Muito certinha. Mas ainda assim é mais consistente e realista do que a Raquel.

Escrita
A escrita de José Rodrigues dos Santos demonstra o facto de ele ser um jornalista que passado muito tempo nessa profissão decide escrever. As frases são curtas, escreve de uma forma simples, mais ou menos sintética (dentro da quantidade de coisas que vão acontecendo), não faz muitas descrições nem vai ao pormenor, os capítulos são curtos e fáceis de ler. Pessoalmente, gosto de escrita mais literária, com descrições muito grandes, vocabulário variado e frases maiores. Não é que a escrita dele seja má, até porque eu percebo porque é que muita gente gosta de o ler e percebo porque é que a fórmula dele resulta em best-seller. O livro tem capítulos pequenos, têm um plot twist no final para dar vontade de ler o capítulo seguinte e a escrita é muito fácil de ler. É bom para quem não tem muito tempo para ler ou não gosta muito de ler, porque ele prende os leitores.
Outro ponto que não gosto na escrita dele. A estrutura do discurso é inglesa, em vez de usar travessão para o início do discurso, usa as aspas para delimitar as frases dos discursos. Mais um factor para tornar o livro um sucesso. Não é que não goste de ler assim, mas estou habituada a ver isso em livros de autores ingleses.


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